A figura é insuspeita: Daryl J. Bem é professor emérito de psicologia social da prestigiosa Universidade Cornell, em Nova York. Também já lecionou em Harvard e Stanford, entre outras instituições de elite dos EUA.
Ele, entretanto, escreveu um artigo no qual afirma ter demonstrado a existência da percepção extrassensorial (PES), isto é, da capacidade de pressentir o futuro.
Bem relata nove experimentos nos quais colocou um total de 1.100 universitários para adivinhar o futuro. Eles tinham de realizar tarefas como predizer se uma fotografia vai aparecer do lado esquerdo ou direito da tela do computador ou descobrir onde está a imagem erótica. Em oito dessas nove situações, sustenta o psicólogo, os alunos se saíram um pouco melhor que o autorizado pelo acaso.
Para completar, o “paper” foi aceito para publicação pelo Journal of Personality and Social Psychology, um dos mais influentes periódicos dos EUA nessa área. Como não poderia deixar de ser, a notícia está causando polêmica. O The New York Times dedicou uma página especial com nove artigos de opinião sobre a suposta descoberta. As blogosferas cética e parapsicológica também estão agitadas.
Entre os cientistas mais ortodoxos, as opiniões também se dividem entre dois extremos: os que acham graça e os que estão furibundos. Para os representantes da primeira categoria, é importante preservar a liberdade de acadêmicos seniores de investigar o que quiserem. Além disso, não há mal na publicação de uma pesquisa assim, pois seus resultados não serão replicados por nenhum laboratório, e ela cairá no esquecimento, a exemplo de várias outras tentativas de dar credibilidade à parapsicologia. Por enquanto, três tentativas de reproduzir os experimentos fracassaram. Há outras em curso.
Cada vez mais presentes no mundo da ciência, os estatísticos têm sua própria linha de crítica. Um grupo liderado por Eric-Jan Wagenmakers, da Universidade de Amsterdã, foi convidado para escrever uma revisão na mesma edição da revista em que sairá o polêmico artigo. Para os holandeses, o professor emérito errou ao tratar dados colhidos de forma exploratória com um instrumental estatístico concebido para confirmar hipóteses. Ao fazê-lo, ele inadvertidamente superestimou as evidências contrárias à hipótese de que o fenômeno não existe.
Outros, porém, fazem críticas mais severas a Bem e, em especial, ao periódico que decidiu publicar seu artigo. Para eles, a existência de PES é uma teoria extraordinária e, como tal, só poderia ser publicada num “journal” se fosse sustentada por evidências extraordinárias - o que não seria o caso mesmo se as conclusões de Bem fossem aceitas pacificamente.
Douglas Hofstadter, professor de ciência cognitiva da Universidade de Indiana, coloca o problema de forma veemente na página de debates do New York Times. “Se algo disso [a PES] fosse verdade, então todas as bases da ciência contemporânea ruiriam, e nós teríamos de repensar a natureza do universo. Por essa razão, publicar um artigo como esse é um ato muito grave.”
Pelo menos no que diz respeito à natureza do universo, Hofstadter tem razão. Se a PES é uma realidade, então o futuro afeta o presente (retrocausalidade), o que torna urgente modificar todos os livros de física, segundo os quais o tempo é linear.
O professor Bem, é claro, discorda e, a exemplo de homeopatas e novos gurus, recorre à mecânica quântica para explicar seus achados.
Nota: Bom seria se os acadêmicos pudessem “investigar o que quiserem” sem colocar em risco a carreira. Mas as coisas não são assim, como sentiram na pele cientistas como Michael Behe e Robert Gentry, entre outros, que ousaram desafiar o academicamente dominante pensamento darwinista. Para alguns cientistas mencionados pela Folha, a PES é uma teoria extraordinária e, como tal, só poderia ser publicada num “journal” se fosse sustentada por evidências extraordinárias. Mas o que dizer da hipótese da macroevolução, segundo a qual todos os seres vivos teriam evoluído a partir de um ancestral primitivo, o que exigiria tremendo acréscimo de informação genética vinda do nada? O que dizer do naturalismo que impregna a ciência moderna, filosofia segundo a qual a ordem e regularidade do Universo e a complexidade irredutível dos sistemas biológicos seriam fruto da operação de leis naturais, elas mesmas tendo surgido do nada? Não seriam também essas “teorias extraordinárias” que exigiriam evidências extraordinárias? Acontece que geralmente elas só contam com evidências mínimas, muitas vezes limitadas a um ou outro dente fóssil. Também não considero científicas a parapsicologia e a homeopatia, por exemplo, ainda que dados estatísticos sejam usados para tentar confirmá-las como tal. As estatísticas apenas mostram que certos fenômenos relacionados a elas funcionam, mas não mostram o que estaria por trás delas promovendo esses resultados. Duvido que o método científico forneça respostas para isso, porque a vida é mais do que um amontoado de átomos regidos por leis – há muito mais por trás e além da matéria.
[Michelson Borges]