sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Comentário da Lição da Escola Sabatina do 4º Trimestre de 2011 - O Evangelho em Gálatas - Lição 01 - Paulo: apóstolo dos gentios


Lição 1 – Paulo: apóstolo dos gentios


Pr. Matheus Cardoso
Editor-assistente dos livros do Espírito de Profecia
na Casa Publicadora Brasileira

Antes de estudarmos Gálatas, é necessário saber como Paulo começou a proclamar a mensagem do evangelho. É isso o que estudamos na lição desta semana. Vimos como Saulo, o perseguidor dos cristãos, teve um encontro transformador com Jesus na estrada de Damasco. Ele se tornou Paulo, aquele que proclamou intensamente o evangelho aos judeus e aos gentios.

“O encontro com o Senhor o ajudou a enxergar três coisas. Primeira, o Messias já havia vindo e estava vivo. Segunda, ele estava sendo chamado para ser embaixador de Cristo, em vez de perseguidor de cristãos. Terceira, o Israel literal não tinha direitos exclusivos sobre a mensagem do evangelho” (Lição de Jovens, domingo).

Mas, desde o início, a pregação de Paulo despertou controvérsias entre os cristãos a ponto de, já ao final de sua primeira viagem missionária, a igreja organizar aquele que ficou conhecido como o Concílio de Jerusalém, o primeiro concílio eclesiástico (At 15).

O problema central era: Como um gentio pode ser admitido à fé? Ou seja, que precisa fazer para ser salvo? Paulo ensinava que tudo o que precisa fazer é crer no sacrifício de Jesus. Mas os cristãos que discordavam dele “achavam que a fé em Jesus, apenas, não era suficiente como sinal característico do cristão; a fé, eles argumentavam, devia ser complementada com a circuncisão e obediência à lei de Moisés” (Lição de Adultos, quinta-feira).

Aqueles que discordavam de Paulo tinham ideias equivocadas sobre basicamente dois assuntos: (1) o que ocorreu com a lei por ocasião da morte de Cristo e (2) qual é a missão da igreja. A seguir, abordaremos esses dois assuntos. No fim deste comentário, veremos algumas aplicações práticas sobre o tema geral da semana.

1. A lei e o templo no plano da salvação
Muitos podem estranhar este fato, mas, no início, a única diferença significativa entre os cristãos (que eram praticamente todos judeus) e os demais judeus é que os primeiros acreditavam que Jesus é o Messias.1 No entanto, eles continuavam a frequentar o templo e a participar de pelo menos algumas das cerimônias realizadas nesse local (At 2:46; 3:1; 21:17-26; Gl 2:11-14). Algum tempo se passou até compreenderem que o templo já havia cumprido sua função. Dois notáveis pregadores foram os primeiros a perceber essa verdade: Estêvão e Paulo.

Quando se fala das leis cerimoniais, logo surge na mente o nome de Paulo. Porém Estêvão já ensinava várias ideias que depois seriam enfatizadas pelo apóstolo. Estêvão foi acusado de “falar contra este lugar santo [o templo] e contra a lei” (At 6:13)2 e de ensinar que “Jesus, o Nazareno, destruirá este lugar e mudará os costumes que Moisés nos deixou” (v. 14).

É verdade que os ensinos de Estêvão foram distorcidos por seus acusadores (v. 13), mas, assim como aconteceu com Jesus (Mt 26:59-61; cf. Jo 2:19, 20), as acusações não pareciam ser totalmente falsas e sem fundamento. Em seu último discurso, Estêvão argumentou, por exemplo, que “o Altíssimo não habita em casas feitas por homens” (At 7:48). Com isso, ele estava dizendo claramente que o templo de Jerusalém não desempenhava mais nenhum papel no plano da salvação (v. 44-50). Paulo usaria o mesmo argumento para mostrar que o templo já havia cumprido seu objetivo (Hb 8:1, 2; 9:24; cf. 8:13; 10:1-4).

Paulo foi influenciado pelas pregações de Estêvão e de outros judeus cristãos que já tinham uma compreensão semelhante sobre a lei (At 6:9, 10; 8:4-8).3 Estêvão e esses judeus (At 6:1, 5, 9), bem como Paulo (At 21:39), haviam nascido fora de Israel. Portanto, viviam em meio aos gentios e falavam grego. Isso deve tê-los ajudado a se tornarem mais abertos ao fato de que o templo e seus rituais não era mais relevantes para o povo de Deus.

Como seria esperado, Paulo acabou recebendo as mesmas acusações lançadas contra Estêvão. Os adversários de Paulo diziam que ele ensinava “contra o nosso povo, contra a nossa lei e contra este lugar [o templo]” (At 21:28). Em resposta, ele afirmava acreditar “em tudo o que concorda com a lei e no que está escrito nos Profetas” (At 24:14). Mais do que isso, no fim de sua vida podia dizer que jamais fizera “nada contra o nosso povo nem contra os costumes dos nossos antepassados” (At 28:17).

Aqueles que defendiam que os gentios deveriam ser circuncidados e obedecer à lei para se tornar cristãos ainda não tinham a mesma compreensão que Estêvão e Paulo. Em grande parte, a carta aos gálatas foi escrita para esclarecer esse equívoco. Uma das perguntas mais importantes de Gálatas é: “Qual era [...] o propósito da lei?” (Gl 3:19).

Mas, como veremos durante este trimestre, a circuncisão e as leis cerimoniais eram apenas a “ponta do iceberg” de toda a questão...

2. Missão universal
A segunda razão que levou alguns a exigirem que os gentios praticassem a circuncisão era o fato de não compreenderem a missão da igreja. Pouco antes de subir ao Céu, Jesus disse que o evangelho deveria ser pregado a “todas as nações” (Mt 28:19) e “até os confins da Terra” (At 1:8). Apesar da clareza da ordem, o livro de Atos mostra que os cristãos demoraram algum tempo para compreendê-la.

Os primeiros 15 capítulos de Atos descrevem grandes mudanças que ocorreram no cristianismo, de uma igreja formada apenas por judeus até uma igreja composta por judeus e gentios. Durante esse processo, se passaram cerca de 15 anos.

Por essa e outras razões, muitos imaginam que os judeus do tempo de Jesus eram fechados dentro de sua própria nação e não tinham senso missionário. Mas essa ideia é equivocada. Eles estavam profundamente envolvidos em contatos missionários e conversões (Mt 23:15).

Além disso, os conversos não eram forçados a viver de acordo com todas as leis e costumes judaicos. Havia os chamados “tementes a Deus” (At 2:5), que aceitavam os princípios da fé judaica e frequentavam as sinagogas, mas não seguiam algumas leis, como a circuncisão. Era o caso de Cornélio e sua família (At 10:1, 2).

Como veremos durante este trimestre, realmente havia equívocos entre muitos judeus daquela época. Mas, infelizmente, muitos cristãos apresentam uma imagem caricaturizada da cultura judaica do primeiro século. Em alguns momentos, tentaremos corrigir essa visão distorcida.

A exigência dos oponentes de Paulo não era simplesmente que os gentios deveriam guardar as leis cerimoniais (At 15:1). Para eles, aceitar Jesus significava se tornar judeu em todos os aspectos (v. 5), visto que eles ainda consideravam o cristianismo como uma denominação judaica. E tornar-se judeu significava abraçar tudo o que era ensinado e praticado pelo judaísmo. Por isso, uma das perguntas mais importantes de Gálatas é: O que é um filho de Abraão? Quem realmente é o “Israel de Deus”? (Gl 6:16).

O estudo de Gálatas irá esclarecer também essa questão, mas, por enquanto, guarde as três perguntas que fizemos acima (elas estão destacadas em itálico). Retornaremos a elas várias vezes:

O que um gentio precisa fazer para ser salvo?
Qual era o propósito da lei?
Quem é o “Israel de Deus”?

Aplicações práticas
1. Transformação (im)possível – Quando lemos a história da conversão de Paulo, é surpreendente ver como o maior perseguidor da igreja pôde se tornar seu maior defensor. “A conversão e chamado de Paulo também demonstram o poder da graça. Se nós conhecêssemos Paulo antes de sua conversão, teríamos a certeza de que ele jamais se converteria. Talvez até pensássemos que ele já havia blasfemado contra o Espírito Santo. Mas a conversão de Paulo nos lembra do poder de Deus para transformar as pessoas mais improváveis. Nunca devemos parar de orar por aqueles que parecem impossíveis de ser alcançados, porque a salvação é do Senhor. [...]
“Que maravilha o fato de que Deus salva pecadores que têm completa aversão por Ele! Não recebemos o crédito por nossa salvação. [...] Nós não somos melhores do que outros. Não somos sábios que veem o que outros não veem. [...] Quando pensamos que o Senhor nos salvou por Sua graça, nosso coração ficará cheio de louvor e gratidão.”4

O encontro de Paulo com Jesus na estrada de Damasco transformou aspectos fundamentais da vida do futuro apóstolo, como sua religião e missão.5 As mesmas características que existiam no ministério de Paulo precisam estar presentes em nossa vida.

2. Mudança de foco religioso – Antes de conhecer a Cristo, Paulo vivia uma religião centralizada em si mesmo e em suas ações. Ele pensava que a obediência à lei podia compensar pecados cometidos e fazer com que alguém seja aceito por Deus. A conversão de Paulo em nada diminuiu sua disposição em obedecer aos mandamentos (Rm 3:31; 8:4; cf. Mt 5:20), mas Cristo passou a ser o centro de sua religião e vida (1Co 2:2).

Todos nós precisamos ter um encontro com Cristo, talvez não tão extraordinário, mas não menos real que o que teve Paulo. Quando compreendemos quem é Jesus, passamos a considerar todo o restante como secundário (Fp 1:21). Percebemos que mesmo nosso melhor é insuficiente para que sejamos aceitos por Deus. Então não existe espaço para acharmos que nossos talentos, habilidades e realizações nos tornam boas pessoas ou superiores aos outros. O grande objetivo de nossa vida é deixar que Cristo apareça em nós (Gl 2:20).

3. Nova missão – Antes do encontro com Jesus, Paulo era um shaliah, apóstolo do judaísmo, levando terror e destruição àqueles a quem considerava inimigos da fé judaica. Depois, como apóstolo de Jesus, passou a levar perdão e salvação aos pecadores. E Paulo não escolhia audiência. Pelo contrário, ele chegava ao ponto de se considerar devedor para com todos (Rm 1:14). Gregos ou bárbaros, sábios ou ignorantes, todos precisavam ouvir a mensagem de Jesus e Sua maravilhosa graça. 
“Nenhum de nós é o apóstolo Paulo. Nenhum de nós foi chamado para ser um apóstolo, e poucos fomos chamados para o ministério pastoral. Mas todos nós fomos chamados para servir ao Senhor onde quer que Ele tenha nos colocado. Somos chamados a declarar Sua glória no lugar em que vivemos. Temos o privilégio de compartilhar a Palavra da vida com aqueles que estão em trevas. Devemos não apenas viver de maneira que mostre Cristo aos outros, mas também proclamar a mensagem do evangelho em nossa vizinhança e local de trabalho.”6

1. Esta seção se baseia em Wilson Paroschi, “Estevão, Israel e a igreja”, Parousia, ano 6, nº 1 (1º semestre de 2007), p. 39-52.
2. Todos os textos bíblicos são extraídos da Nova Versão Internacional.
3. Veja Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, p. 115, 116.
4. Thomas R. Schreiner, Galatians, Exegetical Commentary on the New Testament, v. 9 (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2010), p. 104.
5. O restante do texto se baseia em Wilson Paroschi, “A visão do crucificado”, Ministério, setembro-outubro de 2010, p. 17-20. A citação foi acrescentada.
6. Schreiner, Galatians, p. 104, 105.